por Thiago Baptistella Cabral
Certa
vez Paulo Freire - que completaria 91 anos no último dia 19 -, em um
programa de rádio, foi perguntado sobre a evasão escolar. Ele disse que
"evasão" é uma palavra muito singela, muito sutil para o processo que
acontece com o aluno desde que entra na escola até este comportamento
final. Ele disse que não são os alunos que evadem, mas as escolas que os
abortam. Este modo de ver a situação joga luz sobre o papel ativo da
escola no comportamento de "abandono escolar do aluno". Na realidade ele
havia sido antes abandonado por ela.
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Homenagem a Paulo Freire feita pelo Profeta Gentileza.
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Apresentarei
abaixo algumas pesquisas recentes de diferentes áreas do conhecimento
sobre este complexo tema para buscarmos compreendê-lo melhor. Segundo o
recém-saído documento "Todas as Crianças na Escola em 2015 - Iniciativa
Global pelas Crianças Fora da Escola", divulgado no dia 31 de agosto
pelo Fundo das Nações Unidas pela Infância (Unicef) - há aproximadamente
3,7 milhões de crianças e adolescentes entre 4 e 17 anos fora da escola
(!). A maior porcentagem é formada por crianças provenientes de baixa
classe social das regiões norte e nordeste. Estão fora da escola 32% das
crianças cujos pais ganham um quarto de um salário mínimo, mas em
famílias de dois salários mínimos este número cai para 6,9%. Outro
estudo importante sobre o tema saiu em 2009, desenvolvido pela Faculdade
Getúlio Vargas (FGV): "O Tempo de Permanência na Escola e as Motivações
dos Sem-Escola". Eles identificaram que o principal motivo da evasão
escolar de jovens de 15 a 17 anos não é a necessidade de procurar
emprego, mas a ausência de interesse intrínseco do aluno em ir à escola,
respondendo por 40% da evasão. A necessidade de trabalho fica em
segundo lugar, respondendo por 27% da evasão. Ou seja, uma escola sem
sentido faz com que o aluno perca o interesse em ir até ela.
Estes
dados confluem com outro estudo realizado em 2011 pelos pesquisadores
italianos Fábio Alivernini e Fábio Lucidi. Eles elencaram alguns fatores
que poderiam influenciar a evasão como, por exemplo, as notas dos
alunos, a influência da autonomia que os pais davam aos filhos, a
motivação do aluno para ir à escola e fazer as atividades escolares, o
status socioeconômico dos alunos e o suporte à autonomia do aluno dado
pelo professor. Então fizeram a seguinte pergunta: qual destes fatores
teria maior influência no comportamento de evasão escolar? Após um ano
de pesquisa, com 426 crianças com idades de 9 a 13 anos, descobriram que
a motivação do aluno era o principal previsor de evasão escolar, ou
seja, se o aluno tem baixa motivação para ir à escola, é maior a chance
dele evadir a escola, mesmo que suas notas sejam relativamente boas. A
motivação, portanto, está intrinsecamente relacionada ao interesse, à
vontade do aluno, o que ajuda a esclarecer o alto índice de falta de
interesse dos alunos na escola encontrados no estudo da FGV.
Talvez a principal teoria psicológica que procura explicar o
funcionamento da motivação humana seja a teoria da Autodeterminação. Ela
postula três necessidades psicológicas básicas para o ser humano: a
necessidade de autonomia, de relacionamento (conectividade) e de
competência. Deste modo, um ambiente que favoreça a autonomia, a
conectividade e a competência do aluno vai fazer com que sua motivação
intrínseca (o tipo de motivação gerado pelo prazer de fazer a tarefa)
seja aumentada. Por exemplo, o aluno, ter a possibilidade de escolher
com quem vai fazer grupo em determinado trabalho aumenta sua necessidade
de autonomia e sua motivação intrínseca; escolher de qual forma
aprender determinado assunto também tende a aumentar a motivação do
aluno.
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Quanto maior a série, menor a motivação intrínseca (linha escura) do aluno.
Corpus, J.H. et al (2009). Within-year changes in children's intrinsic
and extrinsic motivational orientations: contextual predictors and
academic outcomes. Contemporary Educational Psychology. |
Em
algumas escolas o currículo está dividido em objetivos, o que faz com
que o aluno escolha quais objetivos trabalhar, digamos, naquela semana.
Escolas que caminham nesta direção podem aumentar o interesse do aluno
pela escola, diminuindo o aborto escolar e os problemas que dele
decorrem. Se o aluno não compreender o sentido daquilo que o professor
está querendo ensinar, sua motivação diminuirá. Isto nos leva de volta
ao Paulo Freire, que trabalhava em seus círculos de cultura a
importância da conscientização e da contextualização do conhecimento.
Certa vez Moacir Gadotti disse que se Freire estivesse vivo, colocaria
mais um pilar junto aos "quatro pilares da educação" criados pela UNESCO
(Aprender a conhecer, Aprender a fazer, Aprender a viver com os outros e
Aprender a ser): "Aprender por quê?".
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O quarto capítulo pe todo dedicado aos "Quatro pilares da educação"
Para download do livro clique aqui |
Thiago
Baptistella Cabral, biólogo e educador, escreve a convite do Instituto
de Desenvolvimento da Educação (IDE), que publica artigos no caderno
opinião do Jornal Diário de Natal às sextas-feiras. Texto publicado em
21/09/2012.
Para ler este texto no site do jornal Diário de Natal
clique aqui (é o texto de baixo).
Referência do texto: http://clubedarucula.blogspot.com.br/2012/09/aprender-por-que.html